sábado, 6 de março de 2010

Homenagem a Espinosa


Bom, hoje a coisa resolveu ficar séria por aqui. Faz um tempo recebi um texto escrito por uma amiga de Curitiba, a TT, sobre a morte de Espinosa. Confesso que só hoje consegui parar para lê-lo com a atenção que lhe é devida. Gostei muito e por isto compartilho aqui no blog.

Morre Espinosa

Naquele longínquo 21 de fevereiro de 1677, um domingo frio do inverno europeu, despedia-se deste mundo um grande filósofo.


Ele nascera no seio de uma família judia e recebera o nome Baruch de Spinoza.

No verão de 1656, a Sinagoga Portuguesa de Amsterdã o puniu com o Chérem, equivalente à Excomunhão, pelos seus postulados a respeito de Deus em sua obra, defendendo que Deus é o mecanismo imanente da natureza e do universo(…). Após a excomunhão, passou a adotar o nome Benedictus de Spinosa, ou Bento de Espinosa.

Numa de suas cartas, escrita dois anos antes de sua morte, lê-se:

Je ne prétends pas avoir trouvé la meilleure philosophie, je sais seulement qu'est vraie celle que je comprends."1

(Eu não pretendo ter encontrado a melhor filosofia, somente sei que é verdade aquela que eu compreendo.)


“Morreu aos quarenta e quatro anos, vitimado pela tuberculose. Morava então com a família Van den Spyck, em Haia, Holanda. A família havia ido à igreja e o deixara com o amigo Dr. Meyer. Ao voltarem, encontraram-no morto.”

O monumento feito em homenagem a Spinoza, em Haia foi assim comentado por Renan2 em 1882:

"Maldição sobre o passante que insultar essa suave cabeça pensativa. Será punido como todas as almas vulgares são punidas – pela sua própria vulgaridade e pela incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, do seu pedestal de granito, apontará a todos o caminho da bem-aventurança por ele encontrado; e por todos os tempos o homem culto que por aqui passar dirá em seu coração: Foi quem teve a mais profunda visão de Deus"

Neste dia em que se completam 333 anos de sua morte, como uma singela homenagem a esse notável filósofo, e para que se possa conhecer um pouco mais do seu pensamento, escolhemos um de seus textos, publicado na Folha de S. Paulo em 26 de janeiro de 1978:

ESPINOSA E A SEGURANÇA3

Nada está mais de acordo com a natureza do que a união dos indivíduos da mesma espécie. Por conseguinte, não há nada mais útil à própria conservação e para desfrutar de uma vida racional, do que um homem que é conduzido pela razão. Além disso, como não se conhece, entre as coisas singulares, nada mais excelente do que o homem dirigido pela razão, ninguém pode mostrar melhor o que vale, portanto, por sua habilidade e seu engenho, que educando os homens de tal maneira, que vivam, finalmente, sob o próprio império da razão.

Na medida em que os homens são lançados uns contra os outros pela inveja ou algum outro sentimento de ódio, colocam-se uns contra os outros e, por conseguinte, são tanto mais de temer quanto mais poderosos em relação a todos os outros indivíduos da natureza.


O ânimo não é vencido pelas armas, mas pelo amor e a generosidade. É útil aos homens ter relações sociais e ligar-se com vínculos tais que formem um todo perfeitamente unido. E é absolutamente útil fazer aquelas coisas que servem para assegurar as amizades.
Mas para isso se requerem arte e vigilância. Com efeito, os homens são diversos (pois são raros os que vivem sob os preceitos da razão), e, apesar de tudo, a maior parte deles se torna invejosa e mais inclinada à vingança que à misericórdia. Assim, pois, para suportar a cada um segundo seu caráter e abster-se de imitar suas paixões, é preciso um singular poder do espírito.

Os que se dedicam a censurar os homens e reprovar seus vícios mais do que a ensinar-lhes virtudes e abater os ânimos em vez de fortalecê-los, são insuportáveis a si mesmos e aos demais. Como consequência, muitos, por uma excessiva impaciência do espírito e por um falso zelo religioso, preferiram viver entre brutos antes que entre homens.


Assim também as crianças e os adolescentes, que não podendo suportar com equanimidade as repressões dos pais, preferem sentar praça e enfrentar as agruras da guerra e a prepotência de um tirano, a submeter-se às comodidades domésticas e às admoestações paternas, aceitando qualquer carga que lhes imponham, contanto que se vinguem de seus pais.

Embora na maior parte das vezes os homens se governem em tudo pelo apetite sensual, é certo que a vida em sociedade traz mais vantagens que inconvenientes. Por isso, vale mais a pena suportar as ofensas com equanimidade e apoiar tudo quanto contribua para estabelecer a concórdia e a amizade.
Tudo que se refere à justiça, à equidade e à honestidade produz concórdia. Os homens, com efeito, dificilmente suportam o que é considerado desonesto ou desrespeitoso aos costumes estabelecidos na sociedade. Para conciliar o amor entre os homens, é necessário, antes de tudo, atender às exigências da religião e da moralidade.
A concórdia muitas vezes é obtida pela imposição do temor, mas então não há boa fé. Observe-se que o temor nasce da impotência do espírito e não se inclui, portanto, entre as vigências da razão. Também a comiseração não resulta da razão, apesar de suas aparências de moralidade.


Outra coisa que produz a concórdia, a paz na sociedade, é a bajulação, que é um vergonhoso delito de servidão e perfídia. Ninguém é melhor presa da bajulação do que o soberbo, que quer ser o primeiro e não é.


Também a vergonha pode contribuir para a concórdia. Mas a vergonha, envolvendo o ocultamento das ações, é uma espécie de tristeza humana, que nada tem a ver com a razão.


Depois dessas observações, passo àquela parte da ética que trata da maneira de chegar à liberdade ou do caminho pelo qual se chega a ela. Tratarei, por isso, do poder da razão, mostrando o que pode a razão contra as paixões e, depois, o que é a liberdade da mente humana, a felicidade. E é por causa dessa liberdade da mente que o sábio é mais poderoso do que o ignorante.
Ao mostrar o poder da mente sobre as paixões, verifica-se que a grandeza maior da mente é a liberdade. E se a liberdade da mente é maior do que as paixões — o medo, a tristeza, a bajulação, a vergonha, o desprezo, a submissão — há de concluir-se que só a liberdade produz a verdadeira paz e conciliação na sociedade dos homens. Qualquer outra paz e segurança, que não sejam geradas pela liberdade, são uma falsa paz e uma falsa segurança.

1Cette maxime de grande portée figure dans une lettre de Spinoza (1632-1677) écrite deux ans avant sa mort. (http://hyperspinoza.caute.lautre.net/spip.php?article1970)

2 Ernest Renan, escritor, filósofo, filólogo, e historiador francês.

3 http://almanaque.folha.uol.com.br/filosofiaspinoza1.htm

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