segunda-feira, 2 de agosto de 2010

AS CORRECAS DA MINHA VIDA

E mais uma vez minha amiga Urda me surpreende com um belo texto.

"O inverno em que eu tinha três anos foi um inverno encantado pelas correcas. Eu morava numa casa que tinha sótão, e naquele inverno, um casal de correcas fez seu ninho e teve filhotes no beiral do telhado do sótão da minha casa, e aquilo foi a coisa mais fascinante que eu já tinha vivido. Minha irmã Mariana, que já estava com dez anos e era mais alta, espiava as correcas, mas claro que não me queria mexendo lá: uma criança de três anos tem as mãos desajeitadas – se ela me permitisse mexer nas correquinhas, de certo que elas não teriam sobrevivido. Dizia-me, então, que se eu tocasse nas correcas, elas morreriam, e eu me conformava em não vê-las, mas como elas mexiam com o meu coração!

Aquele foi um inverno de muitos dias de chuva, e nos dias de chuva não dá para brincar no jardim. Minha mãe, então, permitia-me brincar no sótão, mesmo com o medo que tinha de que eu caísse da escada, e como eram maravilhosos aqueles dias de chuva! Eu me deixava ficar à janela, ouvindo, acima e perto de mim, o pio das correquinhas novas no seu ninho, e vendo o ir e vir incessante dos pais delas pela chuva, a buscar o alimento com que elas sobreviviam. Podia ficar horas espiando o ir e vir das correcas adultas que acertavam sempre, direitinho, o cantinho do telhado onde estavam os seus bebês, e ouvi-los todos a piar de alegria quando estavam juntos. Eram momentos de magia, como estavam cheios de magia os dias de chuva, com o seu plúmbeo e misterioso céu que se desfazia em água. Um grande assombro de tanto mistério e beleza tomava conta de mim, então, e mais que nunca eu desejava ver as correquinhas que me assombravam com o milagre das suas vidas.

Aqueles momentos do inverno de 1955 foram tão fortes para mim, que mais tarde fiz um personagem de um dos meus livros revivê-los: está no livro “Cruzeiros do Sul”, e, lá por volta de 1750, meu personagem Maneca revive o meu encanto com as correcas da minha infância.

Bem, no último final de semana, houve em Blumenau a “Feira da Amizade”. Para quem não é daqui, explico: a Feira da Amizade é um grande evento das entidades assistenciais da cidade, que se reúnem nos pavilhões da PROEB, e tudo fazem para angariar fundos para as suas entidades. Fica mais fácil ainda se eu disser que os pavilhões da PROEB são os mesmos da Oktoberfest. Eu trabalhei lá, numa barraca, e num momento de folga saí a dar uma volta pela feira, a ver o artesanato e outras coisas que estavam à venda. Acompanhava-me o meu amigo Almir. Abundavam o bordado, o crochê, e todas essas coisas que as mulheres de Blumenau fazem tão bem, apesar de não o fazerem tão elegante e finamente quanto o fazem as mulheres do Ceará. Andamos e vimos tudo o que havia, e de repente achei a coisa mais bonita da feira: casinhas de passarinho, maravilhosas casinhas de passarinho feitas de casca de árvore! Eu já tinha visto, em Olinda-PE, usarem casca de árvore para esculpirem minúsculas ruas inteiras de casario colonial, e tinha me encantado com a idéia dos pernambucanos, mas nunca tinha visto usarem cascas de árvore para artesanato no Sul do Brasil. Eram maravilhosas as casinhas de passarinho, e ficou bem evidente a minha empolgação por elas. Voltei, então, ao meu posto na minha barraca, e meia hora depois me surpreendo: meu amigo Almir havia comprado uma das casinhas, e estava me dando de presente! É claro que fiquei superfeliz, e passei a imaginá-la na minha sala, num canto perto de um quadro de Tadeu Bittencourt, tendo no seu poleiro um passarinho feito por Conning Baumgarten, artista de São Francisco do Sul especializado em fazer passarinhos, quando outra amiga me abre novas perspectivas: seu pendurasse a casinha na minha varanda, talvez alguma correca viesse fazer ninho nela!

Que enxurrada de lembrança aquela observação me trouxe! De repente, estavam de volta as correcas da minha infância e toda a sua magia, e a perspectiva de que elas pudessem voltar me encheu de alegria!

Vou pendurar a casinha de passarinho na minha varanda, e vou colocar alpiste nela para servir de chamariz, e talvez alguma correca me escolha. Não pude ver as correquinhas da minha infância, mas como irei curtir as que vierem na minha vida adulta, quando já estou com um pé na velhice! Estou sonhando um monte com elas, e tudo graças a Almir, que me deu a casinha de passarinho!

Obrigada, meu amigo!"

Blumenau, 07 de julho de 1996.

Urda Alice Klueger

Um comentário:

Ana Karina disse...

Que legal esse texto!
Faz a gente relembrar coisas boas da infância; coisas simples que temos q reviver mesmo na fase adulta.

Beijos!