sábado, 2 de abril de 2011

Greenwashing, a 'lavagem verde'

Texto que recebi de um amigo e que achei extremamente importante e interessante.


Por Karina Haidar Müller

O uso e aplicação do termo "greenwashing" ainda é bastante tímido no cenário jurídico brasileiro, mas bem corriqueiro no mundo do marketing. Logo, dada a forte interação que existe entre ações de marketing e questões atinentes à propriedade intelectual, é bastante provável, ou certo, que, num futuro próximo, tal termo ganhe mais espaço nas discussões jurídicas.

O termo "greenwashing" foi inicialmente utilizado em 1986 pelo norte-americano Jay Westerveld. Ao observar as então novas práticas hoteleiras de encorajar o consumidor (hóspede, no caso) a reutilizar as toalhas e lençóis (ao invés de trocá-los diariamente, como se costumava fazer) sob o pretexto de que, com tal atitude, o hóspede estaria ajudando a "salvar o meio ambiente", Westerveld observou que tais práticas nada mais eram do que uma manobra para aumentar os lucros, pois, na realidade, a campanha de reutilização dos lençóis e toalhas era isolada e não havia nenhuma outra política ou ação efetivamente sustentável pelos hotéis.

Nos dias atuais, a definição geral de "greenwashing" segue essa mesma percepção inicial de Westerveld. Melhor traduzido para o vernáculo como "lavagem verde" (ou algo do gênero), pode-se definir a expressão como aquelas ações de marketing que visam propagar, de forma enganosa, que determinado produto, serviço ou política de uma empresa são "verdes", quer dizer, ecologicamente sustentáveis (environmentally friendly), quando, na realidade, não o são (seja total ou parcialmente). Considerando o forte apelo que os "produtos ecológicos" produzem nos consumidores, sobretudo atualmente, é muito mais fácil vender um produto ou serviço que carrega algum benefício ecológico, "verde", do que o contrário, haja vista a percepção do consumidor de "estar fazendo a sua parte na preservação do meio ambiente" quando adquire um produto ou serviço sustentável.

Fazer uso malicioso desse tipo de apelo acarreta, ao final, na obtenção indevida de uma margem de lucro maior do que aquela que porventura se obteria se tal artimanha não fosse aplicada. Sem falar na falsa e enganosa imagem que a empresa cria para angariar um espaço publicitário e mercadológico valorizado pelos consumidores. Às vezes, o greenwashing revela-se na omissão de informação relevante ao consumidor, passando uma imagem de ser uma empresa "verde" quando, na realidade, não o é. Por exemplo, uma empresa anuncia uma real prática ecologicamente sustentável sobre um determinado produto ou serviço, mas omite outra prática essencialmente destrutiva do meio ambiente ou, ainda, omite que tal produto, na essência, não é por completo sustentável, seja pelo processo produtivo ou degenerativo na natureza após o seu descarte. Em outras palavras, greenwashing é uma forma de ludibriar os consumidores para angariar benefício exclusivamente próprio, ao invés de beneficiar também o meio ambiente, como se propaga, com vistas a angariar mercado, valendo-se de imagem e valores que não condizem, em parte ou na totalidade, com suas práticas e valores, efetivamente.

Juridicamente, trata-se de uma publicidade enganosa, falsa. Considera-se que há cerca de seis apelos mais comuns na aplicação do greenwashing, conhecidos como os "pecados do greenwashing". Omissão dos malefícios, enfatizando apenas os benefícios, e falta de provas científicas nos supostos benefícios trazidos pelo produto; apelos vagos ou pouco críveis (do tipo, "não contém conservantes", sabendo-se que produtos industrializados necessitam de algum tipo de substância conservadora), são dois apelos constantes. Outro exemplo são as afirmações completamente falsas sobre a sustentabilidade de um produto e a irrelevância dos supostos benefícios trazidos pelo produto.

Há ainda aquele que se refere "dos males, o menor", para produtos que se sabe efetivamente fazerem mal ao ambiente ou à própria saúde, como, por exemplo, os cigarros orgânicos. A boa notícia para nós é que o Brasil foi considerado um dos países que menos pratica greenwashing. Estudos recentes revelaram que os nossos produtos são os que menos contêm apelos ecológicos enganosos nas suas embalagens em comparação aos demais. Mas isto não significa que não há práticas de greenwashing por aqui. Há sim, como em todos os outros países. É preciso monitorar a questão com bastante cuidado, pois a tendência a se preocupar com sustentabilidade ecológica (ou ao menos passar a impressão aos consumidores sobre tal preocupação) aumenta substancialmente a cada dia, o que pode fazer com que o greenwashing aumente no Brasil. Hoje, o nosso sistema jurídico está aparelhado para lidar e coibir esse tipo de ação, de publicidade enganosa.

Dispositivos da Constituição Federal, do Código Civil, do Código do Consumidor e, ainda, do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária podem ser invocados em medidas que visam coibir esse tipo de publicidade. Não obstante, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos e em alguns outros países, talvez seja necessário, com o tempo, regulamentar essas práticas por meio de normas específicas, a fim de evitar eventuais obscuridades ou mesmo regular de maneira mais precisa e abrangente as mais variadas formas de expressão que tal prática pode se manifestar.

Sabe-se que o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) criou um grupo de estudos sobre o assunto, mas não se tem conhecimento de eventuais resultados e/ou recomendações. Há inúmeros casos que tratam de publicidade enganosa no Brasil, tanto na esfera do Conar quanto do Poder Judiciário, mas não se tem conhecimento de casos nos quais se reconheceu expressamente a prática do greenwashing no Brasil. O advogado tem papel preventivo extremamente relevante em casos de greenwashing e provavelmente será cada vez mais requisitado a orientar as empresas a adotarem medidas capazes de impedir tal prática, ajudando-as a saírem da margem de risco de serem enquadradas como greenwashers e evitar um impacto altamente negativo perante o mercado.

Karina Haidar Müller é advogada, sócia de Guarnera Advogados

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